Bombos da Beira Baixa

 

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As caixas e os bombos são instrumentos musicais primitivos, que são fabricados com materiais diretamente fornecidos pela natureza: peles de animais, madeiras e cordas (desde há alguns decénios, o tambor ou fuste, que é o cilindro que constitui a parte central do instrumento, tem vindo a ser feito a partir de bidões cortados, ou de tabopan, ou de fórmica ou de chapas de zinco, em substituição da madeira, outrora prevalecente ou exclusiva). São, pois, instrumentos pertencentes às sociedades do ciclo pastoril. Na Cova da Beira e particularmente no concelho do Fundão, ocorrem associados a um outro instrumento, este de sopro, igualmente do ciclo pastoril: o pífaro, feito em madeira, que exerce a função melódica deste conjunto instrumental.
A construção de bombos e caixas é hoje assegurada, como sempre foi, por homens dotados de engenho e perícia, utilizando técnicas e materiais idênticos aos de seus ancestros, de quem receberam os ensinamentos básicos para essa construção. Os artesãos que a tal se dedicam encontram-se disseminados por várias localidades do concelho.
O âmbito temporal desta atividade construtiva é imemorial.
Do ponto de vista social, é importante esta atividade na medida em que suporta os referidos conjuntos instrumentais populares, hoje genericamente designados por “bombos”, os quais exercem, como adiante se desenvolverá, funções de relevo nas comunidades onde estão inseridos, quer como anunciadores das festividades locais, quer como animadores dos arraiais populares, quer ainda como representantes e símbolos de cada uma dessas comunidades quando estas se dirigem em peregrinação às romarias e aí se exibem encabeçando o povo devoto.
Territorialmente, tanto a atividade musical destes agrupamentos, como a atividade construtiva que lhes subjaz, são particularmente representativas da tradição popular da Cova da Beira, mas hoje sobretudo das localidades do aro concelhio fundanense. Desde tempos recuados que estes grupos de bombos são fornecidos pelos instrumentos fabricados por artesãos sedeados no concelho, pois a escassa mobilidade desses tempos não permitia deslocações para fora desse âmbito territorial por motivos de tão reduzida expressão económica.
Os bombos e caixas estão classificados na organária como instrumentos musicais membranofones, visto que o seu princípio sonoro é a vibração de uma membrana percutida por objeto estranho, neste caso as peles tangidas pelas massetas. A construção destes instrumentos, os materiais aplicados, a técnica artesanal adotada, tudo representa um património que as gentes do Fundão trouxeram do passado e souberam manter e cultivar nos dias de hoje, através da transmissão oral (sem aprendizagem livresca), de geração em geração.
Constituem, por isso, uma manifestação espiritual tradicional do povo fundanense, integrada no seu folk-lore, no sentido originário do conceito, tal como William Thoms o consagrou em 1846, id est, significando o conjunto dos hábitos, usos e costumes de um povo, ou grupo étnico.
É este o conceito etnológico de cultura: tudo o que o Homem, aqui estudado como ser cultural, portador dessa cultura, recebe do passado e mantém no seio da comunidade em que está inserido, desde o idioma à forma de vestir, de trabalhar, de se divertir, de namorar, de amar, de casar, de expressar a alegria e a dor, de celebrar os mortos, de rezar à sua divindade.
O Homem e a Terra onde vive, geram a Cultura e esta, repetida e transmitida às gerações seguintes, representa a Tradição. A Cultura de um povo tem uma componente material e outra espiritual. Esta última, a cultura imaterial do povo, constitui o objeto do estudo folclórico, o acervo dos usos e costumes, das expressões orais e artísticas desse povo: crenças e superstições, literatura popular (contos, lendas, poesia popular, teatro popular, romanceiro tradicional), adivinhas, provérbios e anexins, festas e romarias, música de tradição oral e instrumentos musicais populares, artesanato tradicional, medicina popular, gastronomia tradicional, danças e jogos populares, trajos populares, manifestações relativas ao nascimento, ao casamento e à morte, o culto às almas dos falecidos, etc.
É nesta perspetiva cultural, relativa à sociedade tradicional de onde procede também a forma de construir bombos e caixas, que esta atividade artesanal deve ser valorizada, estudada e salvaguardada.

Fonte: http://www.matrizpci.dgpc.pt/MatrizPCI.Web/InventarioNacional/DetalheFicha/587?dirPesq=0

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